quinta-feira, 2 de abril de 2009

Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2009

Dia Mundial do Teatro - 27 de Março, 2009
texto de Augusto Boal

Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática - tudo é teatro.Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!

PORQUE LER OS CLÁSSICOS?

texto de Bárbara Heliodora

O ofício do ator requer que ele seja capaz de compreender e interpretar papeis os mais variados, e se ele pode ampliar e agilizar sua imaginação observando o mundo à sua volta, lendo os clássicos ele pode viajar pelo tempo e pelo mundo, a fim de conhecer mais exemplos da potencialidade humana, do mesmo modo que, viajando no mundo de hoje ele conhece outros povos, outras circunstâncias, outros comportamentos. Tanto o imediato quanto o longínquo o informam sobre comportamentos humanos, e um dos mais importantes motivos para se ler os clássicos é aprender a distinguir entre o contingente e o essencial, o que, no comportamento daqueles personagens, se deve às condições e pressões de sua época, o que se deve à própria condição humana.

Os "clássicos", os que sobrevivem a um ou a vinte e cinco séculos, são justamente aqueles que mais objetivamente olharam para seu próprio tempo e, por isso mesmo, melhor o retrataram: não se lê os clássicos para exibir erudição mas para poder viver, imaginativamente, ambientes e situações diferentes dos nossos, mas que ampliam nosso horizonte, e provam que não há nada tão tacanho ou retrógrado do que quem diz sempre que diferente é pior, ou prefere ficar chocado a compreender o que se quis dizer. É claro que nem tudo que se explica se justifica, mas não há ator que possa fazer um bom trabalho sem compreender (e aceitar imaginativamente) as motivações de seu personagem.

Os clássicos só merecem esse título porque souberam criar ou usar situações nas quais personalidades diversas se expressam em suas ações. Quando se fala em princípio, meio e fim, nos clássicos, isso não quer dizer uma peça mecanicamente bem feita, mas sim que ações têm conseqüências, e "dramático", na verdade, quer dizer passível de mudança: a situação a, no início da obra, é transformada em situação b, e com isso ilustram comportamentos humanos.
Isso tudo, é claro, além do puro prazer da experiência estética, oferecida pela obra de alta qualidade que mereceu o rótulo de "clássica".

RENATA SORRAH

Eu vim de uma família de classe média. Meu pai era judeu alemão; minha mãe, brasileira. Senti necessidade de romper um pouco com a família, me libertar de uma estrutura burguesa. Fui morar em Copacabana com Amir Haddad. Acho importante romper com coisas que te amarrem, que são caretas. Não é sair se drogando, ficar enlouquecido. É, sim, algo interior.

Eu era muito tímida. Amir Haddad me pediu para dar um passo. Eu quis morrer. É uma linha muito difícil de ser transposta.

Quando comecei a fazer teatro, meu pai perguntou se eu gostaria de ir para Londres estudar. Disse "não, meu lugar é aqui". Hoje eu já acho que você ganha experiência passando um ano fora. Não que seja essencial. Porque do que vocês vão precisar mesmo é daqui, da CAL.

Para mim, faltou uma escola. É um tempo precioso, que nunca mais volta na vida. Comecei no Tuca - Teatro Universitário Carioca -, com Amir Haddad. Antes eu cursava psicologia e não sabia que queria ser atriz. Não pensava nisto. No início, então, fomos fazer "A Casa de Bernarda Alba" e eu interpretava Angústias, que só tinha uma fala. Ao final, Amir disse para o menino que estava testando: "você tinha uma atriz em cena e não percebeu". Amir disse que eu era uma atriz. Neste dia, acordei de um jeito e fui dormir de outro completamente diferente. Nunca mais pensei em fazer outra coisa.

Depois, fui trabalhar numa loja de discos em Copacabana. Saí de casa porque achava que uma atriz não podia morar com os pais. Fui morar com Amir. Queria ser igual a Maria Gladys. Comecei a fazer alguns espetáculos, como "O Trágico Acidente que Destronou Tereza", de José Wilker, "Os Convalescentes", de José Vicente, e "Antígona", no Opinião. Sempre escolhi bem as peças que fiz. Buscava peças que poderiam tocar as pessoas.

Além de Amir Haddad, trabalhei com Ulysses Cruz e Jorge Lavelle, que me dirigiu em "A Gaivota". De Tchekhov, além de "A Gaivota", fiz "As Três Irmãs". Considero um dos grandes autores. Para mim, Tereza Rachel foi a atriz que melhor fez Arkádina. Se com Amir fazíamos muitos laboratórios, Lavelle já trazia a peça pronta.

Foi só em "A Gaivota" que resolvi meu problema de respiração. Se tivesse feito escola, não teria demorado tanto tempo. Naquela época, fui estudar com Glorinha Beutenmuller.

Foi uma época das mais felizes da minha vida. Um dia, estava indo para o ensaio na Sala Cecília Meirelles e tive a sensação de que repentinamente tinha entendido tudo - o nosso tamanho em relação ao universo. "A vida é muito simples", disse. Isto era Tchekhov exercendo influência. E costumo ter a sensação de que não sei viver direito porque me atrapalho afetivamente. Mas no palco parece que sei. Tchekhov escreve de maneira tão inspirada que o ator tende a se tornar uma pessoa melhor.

Se vou interpretar uma personagem de Tchekhov, sigo Stanislavski. Trabalhei com Celso Nunes, um diretor bastante próximo a Grotowski. Ele deve ter passado algo para mim, mas eu não estudei a fundo.

Em "As Três Irmãs" eu era a mais velha do elenco. Disse para a Bia Lessa que não iria fazer. E ela respondeu: "a Olga que eu quero é você".

De Shakespeare só montei "Noite de Reis", dirigido pelo Amir Haddad. Fiz ainda "Tango", "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant", "Afinal, uma Mulher de Negócios" e "Os Veranistas", que abriu o Teatro dos Quatro. Levamos ótimos textos lá.

Eduardo Tolentino estava na Polônia e disse que pensou em mim ao assistir a uma peça. Pensei: "é uma mulher louca". Sempre interpretei mulheres fortes, pesadas, comprometidas. Mesmo quando fiz uma comédia, "Shirley Valentine", ensaiei como se fosse sério. Só percebi que era engraçado quando chamei amigos para ver. Mas as peças mais fortes costumam ser as mais interessantes.

Sou muito amiga de Juliana Carneiro da Cunha, com quem trabalhei em "Lágrimas Amargas de Petra von Kant". Juliana integra o Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine. Eu participei de um workshop com máscara balinesa dado pela Ariane. É muito difícil. Eu não consegui.

Gostaria de fazer "O Jardim das Cerejeiras", mais Shakespeare e também textos contemporâneos. Matheus (Nachtergaele) quer montar comigo "Longa Jornada Noite Adentro", que a Cleyde Yáconis fez lindamente. Também nunca fiz Nelson Rodrigues e Plínio Marcos. Zé Celso até me chamou para fazer "Senhora dos Afogados".

Fiz muito pouco cinema. Houve a época das pornochanchadas horrorosas. Cheguei a participar de uma sem saber: "Lua de Mel e Amendoim". Às vezes, passa no Canal Brasil. Mas tínhamos também Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Com Julio Bressane fiz "Matou a Família e foi ao Cinema", um clássico, estranhíssimo mas bacana. Recentemente, participei, em pequenos papéis, de "Madame Satã" e "Árido Movie".

Tenho pena de não ter podido experimentar mais. Antigamente, quem fazia teatro não era chamado para cinema. Diziam que a tendência era ficar teatral no cinema. Na TV, os diretores também falavam "joga fora o texto". Hoje em dia, acho que os veículos já não estão tão distantes. Emendei "Medéia" na novela "Senhora do Destino" e foi ótimo porque estava bem exercitada.

Aprendi com Amir que quanto melhor você faz uma personagem, quanto mais se entrega, melhor sai do teatro porque desentope todos os canais. Se você faz de verdade, a personagem fica no palco. Antes de mergulhar em Medéia, pensei: "como vou interpretar uma mãe que mata os próprios filhos?" Mas não precisa. Percebi que se fosse capaz de passar por todos os sentimentos contando a história, o matar os filhos já estaria pronto quando chegasse o momento.

Fiz "Antígona" no começo da minha carreira e ficava no camarim me batendo para entrar em cena no clima. Aí Isabel Ribeiro precisou sair da peça e eu, que fazia Ismênia, assumi o papel de Antígona. No ensaio, tudo é permitido. Mas, justamente porque temos a memória do ensaio, não precisamos nos bater antes de entrar em cena. Com Bia Lessa, fazíamos exercícios de simulação de dor física. E essa dor acaba reverberando, como uma dor interior.

Dependo muito do diretor. Antes diziam que eu era uma atriz emotiva que fazia, posteriormente, a passagem para o racional. Um outro diretor me disse o contrário. Quando fui fazer "As Três Irmãs", Bia Lessa dividiu todo o texto e pediu para fazermos cenas que trouxessem um elemento surpresa. No final deste processo, a peça estava pronta. Já Gabriel Vilella tinha um outro jeito peculiar de dirigir em "Mary Stuart". Eu me entrego ao diretor.

É importante fazer boas peças, escolher bons textos, levar o trabalho para todo o Brasil. Não ficar só no conhecido, pensando: "esta peça é ótima porque vai dar dinheiro, só tem dois atores". A cada escolha que você faz, está renascendo.

Comecei a produzir em 1985. Vinha fazendo ótimas peças, até que assisti uma na Alemanha: "O Grande Pequeno", de Botho Strauss. Era tudo o que eu queria dizer. Mostrei para três ou quatro pessoas mais velhas que queriam produzir, mas acharam muito alemão. E eu pensei: "e os moradores do minhocão, e as mulheres sozinhas naquelas janelinhas?" Quero falar sobre isso. Decidi produzir. Chamei Celso Nunes para dirigir, um produtor executivo, consegui um patrocínio na Petrobras e apresentei no Teatro BNH. Contratei todo o elenco e foi uma experiência muito boa. Se você não tem um grupo, pode formar um.

É uma dor no último dia de apresentação, quando você está se despedindo do texto. Lembro bastante de "O Grande Pequeno".

Procuro escolher um texto bacana, recusar o que não acho legal. Escolha feita, passo a ler tudo sobre aquele autor. Se vou fazer Medéia, por exemplo, já sei de cara que é uma mulher com tais e tais características, rejeitada, etc. Levo tudo isto mas também zero.

Fazer uma personagem é um mistério. Você pode interpretar de mil maneiras. Eu faço do jeito que entendo, com a minha experiência de vida.

Psicologia pode ajudar o ator porque lá você estuda o funcionamento das outras pessoas. Não falo nem por mim, que interrompi o curso no segundo ano. Também acho bom o ator fazer análise. E sociologia também porque somos seres políticos.

Hoje em dia nós somos heróis. Estreei no auge da ditadura. Era a época do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), das passeatas, de Edson Luís. Mas, por incrível que pareça, tínhamos gana de trabalhar. Isso é algo que não podemos perder. O teatro é um veículo de colocação do ser humano.

Quando eu vejo a cara de um certo público, penso: "eles só querem ver determinado tipo de peça". É um toma lá, dá cá, que está difícil. Às vezes, o ator fala: "ah, aquele público chato de sábado". Eu sei que é chato ver a cara do público de teatro de shopping. Então, procure outro lugar. Não podemos ser engolidos pela mesmice, pelo teatro que não quer dizer nada. As pessoas mais sensíveis vão procurar o teatro e ele as acolhe.

Não sei o que é talento. Acho que você nasce com ele. Mas conheço atrizes que não eram talentosas, batalharam e conseguiram se impor. Canastrão não tem jeito. Mas às vezes você erra no diagnóstico porque a pessoa pode ser tímida, estar se escondendo.

Não acho que qualquer pessoa pode ser ator. Banaliza a nossa profissão. Me parece que é um resquício de quando os atores eram meio bobos da corte. E você não vai ao dentista e pede a consulta de graça. Agora, o ator recebe pedidos deste tipo da pessoa que conheceu no dia anterior.

Casting é burrice. Só chamam a pessoa para fazer um tipo de papel. Um absurdo. José Dumont é um ator maravilhoso. Mas é convidado para interpretar os mesmos tipos.

Falta dramaturgia brasileira, autores nossos. Escreveram "Vau da Sarapalha" lá na Paraíba e foi maravilhoso. O Brasil é riquíssimo. Há grupos no Norte que se não conseguem vir para o Rio estão ferrados. Então, seria importante um intercâmbio, mas também garantir a sobrevivência deles por lá. Shakespeare e Tchekhov são maravilhosos, mas os brasileiros também - afinal, são a nossa identidade, o nosso DNA. E não faço Shakespeare como se estivesse em Londres. Por isso, o Amir é maravilhoso.

Há também o problema educacional. Geralmente, teatro não é dado no colégio. Seria possibilitar às pessoas gostar de teatro desde pequeno.

No Grande Teatro, atores como Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Sergio Britto fizeram muitas peças da dramaturgia universal. Era teatro na televisão. As pessoas adoravam. Acredito realmente que muita gente gosta de teatro. Mas perderam o costume.

Eu não entendo um programa como "Big Brother". É horrível. Parece, inclusive, que os reality shows estão decaindo no mundo inteiro. Só no Brasil que permanece. A minissérie "JK" era bacana, mas era exibida muito tarde por causa desse "Big Brother".

No dia seguinte em que a novela de que você está participando termina, perguntam: "você não vai mais trabalhar não?". Quando fica mais velha, a pergunta é pior: "já se aposentou?"

Não dá para negar o alcance da televisão. É um veículo onde você está exercendo a sua profissão. Há novelas boas e ruins. Dias Gomes era ótimo. Também gosto de Braulio Pedroso e Aguinado Silva. Mas vocês não devem pensar em televisão agora.

Vocês, atores jovens, devem se juntar no começo da carreira. Escolher uma peça de que gostem. Se não tem dinheiro, de que maneira pode ser feito? O grupo que apresentou "Hysteria" veio ao Rio sem patrocínio. Não dá para esperar pelas condições ideais.

Nunca fiz teatro infantil. Vejo como uma responsabilidade enorme.
Já me convidaram duas vezes para assumir a função de diretora, mas não tive coragem.

SERGIO BRITO

Formei-me em medicina em 2 de janeiro de 1948. Quatro dias depois estreei em ”Hamlet”, no Teatro do Estudante. Passado pouco tempo não era mais médico e sim ator. Tive sorte. Minha família aceitou a mudança.

Sabia pouco sobre Jung. Amigos começaram a me mandar livros. Lia e não entendia nada. Até que uma amiga me enviou o livro escrito por Nise da Silveira sobre ele.

Jung me fez voltar atrás. Comecei a me lembrar da minha vida.

Jung diz que o ator busca seu material mais importante quando dorme, nos sonhos. Quando fiz “Jung e Eu” passei a sonhar imediatamente: com a minha vida antiga, o Teatro dos Sete, o Teatro de Arena, minha família. Outra noite sonhei que estava ensaiando minha tia numa peça do Eduardo De Filippo.

O ator fica tão ligado na personagem que sonha com ela e descobre coisas. Isto também é Jung.

Para fazer personagens, muitas vezes tenho que descobrir em mim o que existe de monstruoso. Jung prova que todo o ser humano tem em si todas as possibilidades. Pode desenvolvê-las ou não. Para Jung, a sombra é o que existe de ruim em nós. Todos nós temos qualidades e defeitos. A sombra é o que sabemos que temos, mas recusamos. O melhor é trabalhar com ela. Para o ator é uma maravilha. Tudo o que ele pode ser de ruim está lá para ajudá-lo.

Meus amores costumavam se queixar de que eu não os amava o bastante. É que minha libido era maior em relação ao teatro. As pessoas que amei ficaram em segundo plano. Quando estou representando uma peça e a coisa acontece inteiramente, tenho um orgasmo. Discreto, mas absoluto.

Acho que é uma sorte, mas quem não sente isto deve desistir porque o teatro é o amante mais cobrador do mundo.

Passo todo o texto antes de começar a peça. Faço isto em todos os dias de apresentação. Consegui convencer algumas atrizes a dizer o texto comigo. Em “Assim é se lhe parece”, Yara Amaral e Cristina Pereira tinham uma grande cena comigo e, meia hora antes do início da sessão, passávamos as falas no palco. E olha que naquele tempo fazíamos duas sessões no sábado. Daqui a pouco, o teatro vai virar um evento de domingos.

O teatro foi se tornando cada vez mais perigoso para mim. Sinto medo. Uma das maiores atrizes do Brasil, Cleyde Yáconis, tremia de medo antes de começar ”Lágrimas Amargas de Petra von Kant”. Ficava fazendo carinho nela antes das sessões.

Numa tragédia grega, um ator famoso costumava virar para o coro e fazer caretas. Não acho graça. Na verdade, acho idiota e cafajeste.

O ator é um louco. Alguém duvida? Decorar um papel e representar para uma platéia uma personagem que não é você...O ator não tem que entrar numa personagem a ponto de ninguém reconhecê-lo. Precisa representá-la.

Representar é perigoso. Senão, não tem graça. A cada fala, é preciso estar à beira do precipício.

Se o ator é aquele que vai mexer com todos os sentimentos, sensações e atrações possíveis não podem trabalhar superficialmente. Não pode fazer o que a televisão indica: grandes atores fazendo caricaturas de homossexuais. É uma brincadeira meio sinistra.

José Wilker interpretou um homossexual na montagem de “Os Filhos de Kennedy”, que dirigi. Era uma personagem que foi massacrada por dois marinheiros quando estava vestida de Carmen Miranda. A cena tinha que ser rigorosa e durava o tempo exato de uma música de Maria Callas.

Wilker tinha a capacidade de acreditar no que fazia. Foi o maior ator de uma época. Trabalhou com Rubens Corrêa, fez peças incríveis. Era um ator especial, desligado do realismo psicológico banal. Estourou na praça de maneira violenta. Na TV, fez uma dupla homossexual com Otavio Muller. Foi uma anedota, assim como a outra dupla formada por Diogo Vilela e Luiz Carlos Tourinho.

Estou tentando não usar máscara nenhuma e falar com vocês de verdade. Mas há uma tendência desagradável em cada um de nós em ser persona. Ocasionalmente, o homem tem grandes qualidades, mas acaba preferindo a persona a si mesmo. Além do ator, o médico é vítima de persona. Não é à toa que muitas pessoas começaram na medicina e passaram para o teatro.

Às vezes, estou conversando com alguém e começo a impressionar. De repente, percebo que estou armando minha persona. Resolvo me divertir. Conquisto a pessoa, manejo. Até o momento em que olho bem e pergunto: você está acreditando em tudo o que eu estou dizendo? Estou representando há meia hora. É um jogo muito divertido. Mas consciente.

Nos últimos anos, fiz “A Longa Jornada de um Dia Noite Adentro”, talvez a maior peça do século XX. A personagem do pai de Eugene O’Neill era a de um ator que fez sucesso numa única peça, “O Conde de Monte Cristo”. Fez seis mil vezes esse papel. Uma tragédia. A vida passava e ele não saía do mesmo papel. O dinheiro passou a ser muito importante para ele. Foi ficando ambicioso, egoista, ranzinza. As relações familiares não eram nada boas, mas o amor independe disso.

Era natural que o teleteatro acontecesse naquele momento. Fiz umas 400 peças. A novela pertencia ao rádio. Mas começaram a achar que se gastava muito dinheiro com o teleteatro.

Em “Outono e Inverno”, a linguagem é complicadíssima porque há cruzamentos de palavras. Lars Norén coloca toda a violência que tem sua raiz em Strindberg. Os noruegueses, suecos e dinamarqueses são doentes. E assumem sua doença com clareza fora do comum.

Um dia perguntei a Eduardo Tolentino: “como vou resolver em cena essa personagem que fala tão pouco?” Ele disse para eu inventar o que quisesse. E me fez um grande elogio: “você é o ator mais disponível que conheci na vida”. Essa disponibilidade decorre da leitura. Criei uma continuidade em cena. Minha personagem mexe na meia, toma porre, quase dorme. Fiquei tão livre que voei e, às vezes, esquecia de dizer o texto. Não é a peça mais importante como trabalho, mas como processo e experiência de realização não há nada parecido.

É preciso se habituar a ler teatro nos espaços vazios, nos ônibus e nos bondes.

Ainda em “Outono e Inverno”, o processo de improvisação de cada fala me levou a não intelectualizar. Porque ali é tudo muito simples.

Não fazia cinema há muito tempo. Participei agora de “O Maior Amor do Mundo” de Cacá Diegues, e foi outro aprendizado: interpretei sem gestos e sem franzir testa, nariz e boca. Limpei tudo. Dá vontade de voltar a fazer as peças de que participei ao longo da carreira sem os maneirismos.

Décio de Almeida Prado escreveu: “Sérgio Britto é um ator jovem com uma certa força dramática. Pena que grite tanto” Gritava porque estava ficando surdo. E não percebia.

Não tenho uma montagem preferida. Posso citar “Tango”, “Fim de Jogo”, dirigida por Amir Haddad, “Quatro vezes Beckett”, “Quartett”, ambas assinadas por Gerald Thomas, “O Beijo no Asfalto”, que foi escrita para nós, atores do teatro dos Sete, e é considerada por Barbara Heliodora a melhor peça de Nelson Rodrigues.

No Brasil, o teatro é o irmão paupérrimo das artes. Não conta com nenhum auxílio verdadeiro ou sólido.

Cada vez mais, atravesso momentos de dúvida: ainda tem sentido fazer teatro? O teatro está muito ruim. O fato de haver três ou quatro peças boas não quer dizer nada. Barbara Heliodora, às vezes dura demais, dura de menos, apontou uns 30 espetáculos inqualificáveis este ano. Quase sempre ela tem razão.

Em São Paulo, o teatro é muito melhor do que no Rio. Lá, o governo se preocupa. Tentar melhorar a qualidade de vida de um povo é fornecer teatro. Pintura, música, ópera, literatura, tudo é importante. Mas nada mais do que uma peça. Por mais que domine um texto, o trabalho do ator será diferente a cada dia. Eu não posso mudar as intenções para não render meus colegas, mas sempre busco fazer algo diferente.

Ultimamente, tenho feito trabalhos importantes. Será sorte ou tenho determinado? Não vou na primeira proposta. Mas vocês, alunos, que estão saindo da escola não fiquem esperando. Façam qualquer coisa e comecem a escolher depois de dois ou três anos.

LILIA CABRAL

Quando fazia escola de teatro, a cada vez que anunciavam que alguém importante iria falar conosco, eu e meus colegas nos sentíamos como se estivéssemos indo para Harvard. Assisti a palestras com Gianfrancesco Guarnieri, Lelia Abramo, Cleyde Yáconis, Juca de Oliveira, Myriam Muniz, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi. Quando me fizeram o convite de vir aqui conversar com vocês, quem se sentiu prestigiada fui eu.

Quando gravei um “Você Decide” com o Guarnieri, lembrei a ele que uma vez ele deu uma palestra na EAD e disse que sempre o admirei muito na profissão. Ele disse que era um prazer trabalhar comigo. Ele disse isso por causa do respeito pela profissão, pelo prazer de trabalhar como ator, não importa ao lado de quem.

Desde pequena vivi num mundo solitário. Sou filha única e meus pais, imigrantes, sempre trabalharam muito. Quando fui estudar numa escola experimental observaram que eu tinha tendência a ser líder. Sentia que tinha domínio sobre a minha presença. Depois, quando fui para uma escola tradicional não me deixaram fazer mais nada. Só que, nessa época, já tinha de 16 para 17 anos e comecei a me aproximar da arte.

Jamais poderia dizer a meu pai – italiano, conservador – que queria ser atriz. Aos 19 anos disse que iria trabalhar. Mas fui participar da seleção da EAD. Caso fosse aprovada, teria que contar ao meu pai. Não sabia para o que torcer. Acabei passando. Lembro de Lolô (Lourival Prudêncio) ligando para a minha casa, às quatro horas da manhã, dizendo “você passou”. Fiquei dois anos na EAD sem meu pai desconfiar. A vida foi me mostrando um caminho.

Um dia tive que contar ao meu pai que estava fazendo teatro. Mas aí tinha 21 anos e não corria mais o risco de apanhar. Já trabalhava, ganhava meu dinheiro, podia me sustentar.

A escola foi uma das coisas mais importantes da minha vida. Tive professores maravilhosos, diretores que me incentivaram. Sempre fui muito transparente e sofri por causa disso. Não deixava de dizer o que sentia. Nunca escondi que queria fazer cinema, teatro e televisão. Fazia publicidade e ganhava o meu dinheiro.

Quando a escola acaba você sente uma truncada. Não é que o sonho tenha acabado, mas entra a realidade, que não é fácil. Surgem situações que você não sabe resolver. O começo da profissão é muito difícil porque, às vezes, há muita injustiça. Tudo precisa ser enfrentado e o resultado pode demorar a aparecer. Mas se você realmente enfrentar, um dia acaba conseguindo.

Dos 20 alunos da minha turma sobraram quatro: eu, Lolô, Olayr Coan e a Bel, que hoje dá aula. Na turma acima da minha, só o (Edson) Celulari. As outras pessoas deixaram de fazer teatro porque é muito difícil.

O teatro recompensa. Você pode fazer um fracasso, mas, com o passar dos anos, percebe o quanto aprendeu. Para mim o mais difícil foi sobreviver na TV e no teatro. Causei ciúmes. Quando você começa a fazer um certo sucesso, as pessoas não deixam propriamente de ser suas amigas mas de conviver e de te escutar. E dentro da TV fazemos um amigo por novela.

Odavilas Petti foi meu professor na EAD. Quando acabou a escola, fez um espetáculo, chamado “Seda Pura e Alfinetadas”, texto que Leilah Assumpção escreveu para o Clodovil. Eu fazia uma manequim. Ficava parada e no começo do espetáculo, as pessoas não sabiam se era um boneco ou uma pessoa. No segundo ato, ficava lá parada ouvindo o Clodovil falar sobre o caso do pai com o tio. Não era o que eu queria para a minha vida. Mas foi a primeira oportunidade de trabalho que surgiu. Não acrescentou na minha carreira como atriz, mas fui vista por muita gente. Foi por causa desse trabalho que Paulo Betti me convidou para fazer “Feliz ano velho” e que um diretor da TV Bandeirantes me chamou para a novela “Os Imigrantes”, de Benedito Ruy Barbosa.

Ganhamos muito dinheiro com “Feliz Ano Velho”. Fazíamos apresentações de quarta a domingo, sendo que duas sessões a cada dia no final de semana. Todas, lotadas. Dividíamos o dinheiro entre nós, sob a forma de cooperativa. Guardava o dinheiro porque queria me mudar para o Rio de Janeiro. No último dia de apresentação em São Paulo, convidei meu pai para assistir. Nessa noite fui aplaudida seis vezes em cena aberta. Quando terminou, meu pai foi ao camarim e eu perguntei se ele tinha gostado. Ele respondeu: “Se você é tão aplaudida assim é porque tem o seu valor”. Antes ele achava que quem fazia teatro era prostituta por causa do teatro de revista, do teatro do rebolado.

Antunes Filho dizia para mim e para Hugo Della Santa que nós iríamos trabalhar com ele. Acabei não indo porque sabia que a carteira voaria na cabeça dele. Não conseguiria me adaptar ao jeito dele por causa do meu temperamento. É um encenador deslumbrante, mas se fosse trabalhar com ele não teria a chance que obtive num espetáculo tão aquém do que gostaria de fazer, mas que acabou me abrindo portas.

Em “O Baile de Máscaras”, eu fazia um papel muito pequeno. Pensava: por que o Mauro (Rasi) me chamou? Mas comi pelas beiradas e o papel acabou se tornando significativo. E foi graças a esse espetáculo que conheci a Cleyde (Yáconis) que me estimulou muito a fazer um monólogo (“Solteira, casada, viúva, divorciada”) que me deixou muito feliz.

A partir da minha experiência em “Divã”, percebi que não adianta querer brilhar sozinha. Já fiz espetáculos tentando derrubar o colega porque ele estava me sacaneando e vice-versa. Posso dizer com categoria que não vale a pena.

Marcelo (Valle) faz yoga e Alexandra (Richter), exercício de voz. Yoga me dá sono. Também não gosto de exercício físico. Não sou disciplinada, nesse sentido. Sei colocar a voz e gosto de pular com música alta.

Entro concentrada em cena, mas é um estado que busco desde a hora em que saio de casa. No Teatro Vanucci, onde apresentamos “Divã”, muitos espetáculos são apresentados. É uma rotatividade bem grande. Por causa disso, quando chego ao teatro tenho que entrar pelo banheiro feminino, que geralmente está sujo, para chegar a um puxadinho, onde ficamos eu, Marcelo, Alexandra e dois diretores de cena. Falamos baixo para não atrapalhar o espetáculo que terminará 15 minutos antes do início do nosso. Não tenho o teatro, mas uma vaga durante uma hora e meia.

Há momentos em que é importante em que o trabalho termine. O seu corpo pede. Você se sente instigado a fazer coisas diferentes. Já quando se despede de outras personagens é a morte. Foi assim com a Marta, de “Páginas da Vida”. Fiquei doente, com labirintite. Não me dei conta da intensidade com que trabalhei.

Eu e (Marcos) Caruso nos entrosamos muito. O fato de sermos paulistas ajudou. Temos o mesmo tom, quase as mesmas histórias. É um ator que realmente ouve em cena. Se ele tinha que se sentir diminuído, que transmitir fraqueza, fazia. Qual é o ator que gosta de aparecer assim?

Se eu tivesse 10 anos a menos não teria conseguido fazer a Marta. Quando li o primeiro capítulo já estava lá a mulher amargurada, infeliz, preconceituosa. Quando fui compor a personagem, pensei: “não vou fazer o que os vilões fazem”, no sentido de pontuar uma postura de “eu sou o vilão”. Interpretei-a como uma pessoa normal. Ela falava “estou pouco me lixando para a minha neta” como “me dá um copo d’água”. Assim, mais pessoas iriam acreditar que aquela personagem existia.

Fazer novela significa ficar doente. A temperatura do estúdio é de 10º e as pessoas fumam no camarim.

Já contracenei com gente insuportável. Mas temos que agüentar. Na TV não adianta tentar competir, fazer prevalecer a sua vontade, porque há o corte. Você só vai conseguir criar brigas internas. No teatro ou você agüenta ou pede para sair. Às vezes, é bom agüentar porque é importante passarmos por determinadas experiências, sobrevivermos a elas.

“Tieta” foi, inicialmente, um terror na minha vida. Tinha acabado de sair de um sucesso – Aldeíde Candeias, de “Vale Tudo” – e pensei que estava com a vida ganha. Paulo Ubiratan me chamou para o elenco de “Tieta” e eu achei que faria o papel de uma mocinha deslumbrante, que acabou ficando com a Luiza Thomé. Aí ele me disse que eu iria interpretar a dona Amorzinho. Perguntei quem ela era. Ele me disse: “uma beata”. Paulo avisou que precisava de mim nesse papel. Joana Fomm interpretava Perpétua e eu e Rosane Goffman ficávamos em volta dela sem fazer nada. É uma situação em que você pensa que está tomando um tombo, mas não. Acabamos fazendo um sucesso danado. Paulo Ubiratan precisava de nós porque não sabia se a Joana Fomm, apesar de excelente atriz, seguraria sozinha um papel daquele tamanho.

Na época do governo Collor, muita gente foi mandada embora da Globo. “Pantanal” fez sucesso na Manchete e vários atores voltaram. Depois de “Pedra sobre Pedra”, a Globo me chamou para renovar o contrato e ofereceram o mesmo salário, na base do quer, muito bem, não quer, paciência. Nesse meio tempo, o SBT passou por uma reformulação em sua programação e Nilton Travesso me chamou para trabalhar lá por um salário três vezes maior. Iria participar de uma novela do Flavio de Souza, dirigida pelo Fernando Meirelles. Mas, de repente, o Silvio Santos não quis mais a novela. Resolveram investir em outra novela, “Éramos seis”, em que não havia papel para mim. Aí Boni mandou me chamar e voltamos todos. Silvio Santos conseguiu perder um monte de gente: Irene Ravache, Marcos Caruso, Nuno Leal Maia, Osmar Prado, Denise Fraga, Ana Paula Arósio, que estava começando.

Não gosto muito do ator que é intenso de verdade. Você chega e diz “oi, como vai?” e ele responde “mas eu pensei que naquela cena...”. Tive aula com Sábato Magaldi, que nos ensinava a como não incorporar as personagens. Ele dizia basicamente que nós tínhamos que ser um interruptor: há a hora em que estou interpretando e o momento em que termina. Eu não vou ficar 24 horas convivendo com esse infeliz – se for o caso. O fato de eu não abrir a boca para falar “ah, porque eu pesei que naquela cena...” não significa que não esteja concentrada. Quando entro no set viro outra pessoa. Mas, até entrar, tenho minha casa, minha família, meus amigos, minha vida.

CLAUDIA GIMENEZ

Comecei fazendo teatro infantil no Tijuca Tênis Clube junto com Bia Seidl. Já naquela época queríamos ser atrizes. Não éramos sócias do clube, mas nos aceitaram. Ficamos por lá durante um bom tempo.
Formamos um grupo de teatro amador e passamos a fazer aniversário de criança. Em determinados sábados chegávamos a fazer três festas. Encenamos todas as peças da Maria Clara Machado e da Silvia Orthof. Era como sobrevivíamos.
Até que soube de um grupo que fazia teatro na Veiga de Almeida. Antonio De Bonis era professor e estavam montando “Hoje é Dia de Rock”. Ganhei o papel da filha cega (Rosário). Fiquei revoltada. E olha que era a personagem mais difícil da peça. Mas eu queria movimento. Até que a atriz que fazia a mãe (Adélia) ficou grávida. De Bonis ia chamar uma outra atriz para substituí-la. Só que eu disse para ele: “ah, não. Agora é a hora de eu entregar essa cega de volta”. Ensaiei à beça e ele me deu o papel.
Um outro grupo também estava montando “Hoje é Dia de Rock” no Theatro Municipal. A atriz que interpretava a mãe ficou doente e me “pediram emprestada”. Participei da apresentação de um outro grupo, com outro elenco, sem saber marcação nenhuma. Foi muito engraçado.
Damião (Carlos Wilson) me disse que haveria uma montagem de “Ópera do Malandro” e passou o contato do Luiz Antônio Martinez Corrêa. Fui na casa dele, disse que era atriz, ainda que não profissional, perguntei se ele não tinha nenhum papel para mim na montagem. Ele era adorável. Começou a falar sobre um monte de coisas e eu não entendia nada. Mas gostou de mim. Disse para eu fazer um teste com John Neshling. Passei e fui fazer “Ópera do Malandro”.
Estava fazendo “Ópera do Malandro” em São Paulo. O José Possi Neto me deu “Valsa nº6” para ler. Botei na gaveta e ficou lá um tempão. Até que um dia peguei para ler. Liguei para o Possi e disse: “Você está doido. Como eu vou fazer isso? É muito dramático”. Não aceitei. A temporada da “Ópera” terminou e peguei o texto de novo. Decidi chamar a Louise Cardoso para me dirigir. Ela não pode e sugeriu que eu procurasse a Sura Berditchevsky, que topou na hora. Chamamos um psicanalista junguiano para trabalhar conosco porque a “Valsa nº6” é repleto de simbologias. Foram quatro meses de ensaio. Aprendi a tocar um pedaço da “Valsa nº6” sem nunca ter encostado num piano. Estudávamos mitologia. Considero o meu melhor trabalho.
Na época ainda não fazia televisão. Viajamos o Brasil todo com a peça. Até que apresentei no Teatro Paiol, em Curitiba. Anos depois voltei à cidade com “Como encher um Biquíni Selvagem”, no Guairão. No último dia disse ao público: “estive aqui há anos atrás com ‘Valsa nº6’ no Paiol e vocês não foram me ver. Mas jurei que um dia ainda iria lotar esse Guairão”.
Em “Ópera do Malandro” cantava “Folhetim”. Um dia, os músicos deram a introdução da música e eu, ao invés de começar a cantar “Se acaso me quiseres...”, cantei “O primeiro que chegou...”. E fui até o fim. A partir deste dia passaram a perguntar: “o que você vai cantar hoje?”
Tenho vontade de dirigir Mariana Ximenes numa montagem de “Valsa nº6”. Já falei várias vezes, mas ela tem medo.
Participei de uma montagem de “Cândido”, de Voltaire, dirigida pelo Jorginho (Jorge Fernando). Eu ia interpretar a ama, mas Maitê Proença teve algum problema e saiu do espetáculo. E aí Jorginho decidiu me colocar no lugar dela, fazendo a Cunegundes. Eu perguntei a ele: “como vou fazer coreografias, danças, rolamentos?” Naquela época estava uns 20 quilos mais gorda do que hoje em dia. Ricardo Blat fazia meu namorado. Cantar não era o problema, mas dançar... E num elenco formado por Cláudio Tovar, Paulete, Tania Nardini e Mônica Torres. Fiz uma personagem estilizada.
Mauro Rasi escreveu “Batalha de Arroz num Ringue para Dois” para mim e Miguel. Na época eu não pude fazer e o Miguel decidiu montar com a Bia Nunes. Muitos anos depois, o Mauro ficou muito doente e eu e Miguel decidimos montar. Até para ele poder ver encenado – afinal, tinha escrito para nós. Acho que foi o último presente que pudemos dar a ele.
Fiquei muitos anos ligada ao exercício da comédia. Mas chegou um momento em que o histrionismo começou a me incomodar. Eu estava me sentindo mais Claudia do que as personagens. Pensei: “quero ver se sou atriz mesmo. Vou fazer 50 anos e quero fazer um trabalho que fale sobre família”. Porque quando a gente chega nessa idade começa a querer juntar tudo o que sobrou da infância e da juventude. E a pensar o que vamos levar daqui para frente. Um amigo psiquiatra sugeriu “No Natal a gente vem te buscar”. A ficha caiu. Liguei para o Naum (Alves de Souza) e chamei a Analu (Prestes), que participou da montagem com Marieta (Severo), para participar da leitura.
Foi um trabalho muito difícil. Naum é das antigas, tem um método de trabalho bastante diferente de tudo o que já fiz. Eu queria desesperadamente buscar o humor no texto, mas percebi que precisava esperar o humor me buscar. Houve um momento em que quis desistir. Porque o texto tem cenas bastante dramáticas, bem difíceis para mim. Um dia cheguei em casa e pensei: “estou querendo provar o que e para quem? Vou botar Ana Beatriz Nogueira no meu lugar e ficar apenas na produção”.
Eu queria me emocionar, mas comecei a perceber que tinha que emocionar a platéia. Sou uma atriz. Não tenho que fazer catarse todo dia em cena, no sentido de ficar lembrando do meu pai que morreu, da minha mãe que vai morrer daqui a pouco. Tudo bem que haja algumas apresentações em que nós nos emocionemos, a própria platéia nos fornece isto de vez em quando. Mas há dias mornos, em que nada de especial acontece, e o ator precisa chegar lá e fazer aquela cena dramática. Entendi que um bom método para quando não estiver com a emoção bombando dentro de mim é procurar visualizar cada palavra antes de falar. Aí o texto não sai da boca para fora.
Marieta Severo fez a Solteirona de um jeito diferente do meu. Afinal, ela nunca exercitou a comedia como eu. Então, abordou um outro lado da personagem.
Marieta foi a minha primeira colega de camarim e me ensinou muito sobre disciplina. Ela ensaiava 12 horas seguidas.
Em relação a Ernani (Moraes), o vi pela primeira vez numa peça do Grupo Tapa , “A Megera Domada”. Fiquei encantada. Tem uma autoridade cênica que nunca vi em outro ator. É uma criança, como todo ator deve ser. Fizemos uma novela juntos (“Torre de Babel”) e depois “Pequeno Dicionário Amoroso” no teatro, um espetáculo que apresentamos durante quatro anos. Quando surgiu o projeto de “No Natal a gente vem te buscar”, ele já estava dentro. Nem que não tivesse personagem masculino – ele faria algum feminino...
Ary Fontoura foi um colega muito importante para mim. Uma noite falei com ele: “há uma construção de piada no texto, mas que acaba não funcionando em cena”. Ele disse: “vai lá e divide em duas respirações”. Fiz e o teatro veio abaixo.
Adorei trabalhar com a Cleyde Yáconis. Uma colega maravilhosa. Pensava: “como vou fazer a personagem do meu jeito contracenando com ela, toda elegante?” Mas ela me aconselhou a botar para quebrar porque assim criaria um contraponto divertido entre nós duas.
A relação com o meu pai nunca foi legal porque ele ignorava a minha existência. Quando meu pai morreu, saí do enterro para fazer a “Ópera do Malandro”. Se você estiver em cartaz num momento difícil da sua vida, como aconteceu comigo quando tive câncer, o teatro é restaurador. Muitas vezes quando estava em cartaz, me vi resolvendo coisas dentro de mim. Durante a apresentação, resolvia a questão.
Depois de sobreviver a um câncer, tudo muda na sua vida. Fazia quimioterapia e vomitava 12 horas seguidas. E depois, desmaiava. Acho que “No Natal a gente vem te buscar” também tem a ver com a cirurgia cardíaca que fiz.
Marcello Mastroianni dizia: “de onde mais posso tirar as emoções para o meu trabalho senão de minha própria vida?” Todos os personagens que o ator faz são lados dele. Acho que me tornei uma atriz e uma pessoa melhores a cada processo doloroso que vivi.
Redimensionei muito as coisas. Dei o tamanho que elas têm. Hoje em dia é preciso que algo de muito grave aconteça para me tirar do eixo.
Minha mãe queria que eu fizesse faculdade, como as minhas quatro irmãs. Mas eu nunca gostei de estudar. Minha mãe era mais chamada no colégio do que eu. Odiava o colégio, queria sair dali de qualquer jeito. Até o dia em que xinguei a Madre Superiora e fui expulsa. Fui mostrando para minha família que o melhor seria procurar o meu caminho – e que aquele, definitivamente, não era.
Meus colegas me pediam para não faltar à aula de religião. Já era palhaça desde aquela época. Sempre gostei de platéia.
Eu acho errado, mas não estudo nada. Só a peça que estou fazendo. Se não fosse atriz, seria psicanalista. Se sento para estudar alguma coisa, costuma ser ligado a esta área. Já li vários livros de Freud e Jung.
Cheguei a cursar um pouco da Escola Martins Pena, mas só assistia à aula do Luiz Carlos Maciel. Não posso mentir. Não sou uma estudiosa e sim uma intuitiva.
Hoje vejo os meus sobrinhos com dificuldade de escolher carreira. Digo: “escolham o que dá tesão. Senão, serão medíocres”.
Quando você entra em cena, o público já te acolhe. Porque você é gordinha – então, dão um desconto.
Tempo de comédia ou é fácil ou é impossível. Você nasce ou não com aquilo. Há colegas que dizem: “não vou fazer peça com você. Não sou bobo”.
Nunca fiz uma vilã. O principal é o personagem ter a ver comigo. Se for uma vilã engraçada, pode ser que dê certo.
Adoro teatro infantil. Se você consegue prender a atenção de uma platéia de crianças, consegue qualquer coisa na vida. Fiz “A Bela Aborrecida”, um musical do Paulo César Coutinho. Ficamos um ano em cartaz. Mas sobreviver de teatro infantil é difícil porque só tem aos sábados e domingos e na hora de escolher a maior parte dos atores acaba optando pelo teatro adulto.
Lembro que uma vez levei minha sobrinha de três anos para assistir a uma montagem de “João e Maria”, do Daniel Herz. Ela ficou com tanto medo que me perguntava a todo momento: “é tudo de mentira, né?” Era peça infantil, mas parecia filme do Bergman. Adoro o Daniel, mas aquela montagem...
Daniel fazia Faculdade de Economia. O pai dele é um alemão bravo. Ele decidiu largar economia e pensou: “como vou falar isto para o meu pai?” Eu disse: “deixa que eu falo”. Fomos jantar na casa dele e eu disse para o pai que ele iria largar economia e fazer teatro. O pai perguntou: “e enquanto ele estiver tentando, quem vai sustenta-lo?” Eu respondi: “você”. Ele disse: “está bom”.
A televisão tem o seu encanto. Sem falar que é uma vitrine maravilhosa para lotar o teatro.
O trabalho de que mais gostei na TV foi a “Escolinha do Professor Raimundo”. Trabalhei com Walter D’Ávila, Nadia Maria, Berta Loran. Foi a minha Sorbonne. Fiquei lá durante seis anos. E a melhor novela foi “Torre de Babel”.
Saí de “7 pecados” e podia ter montado uma comédia romântica com o Rodrigo (Phavanello). Mas optei por um outro caminho. Para mim fazer “No Natal a gente vem te buscar” é uma experiência. Porque normalmente as pessoas não querem mexer em time que está ganhando.
Para o “Sai de Baixo” chegávamos em São Paulo na segunda de manhã, ensaiávamos até a tarde. Aí entrava a primeira platéia. Fazíamos e entrava a segunda platéia. Fazíamos de novo. Depois o diretor editava as duas apresentações.
O texto era muito fraco, mas havia as brincadeiras particulares entre eu e Miguel. Nós trazíamos a coxia para a cena.
Tom Cavalcanti é humorista. Faz imitações muito bem. Uma vez estávamos no palco e ouvimos barulhos de duas mulheres brigando na coxia. Corremos para ver o que estava acontecendo e era ele fazendo as duas.
É maravilhoso trabalhar com Jô Soares. Um craque no que faz. Mas é um humorista, que gosta de contar histórias.
Chego ao teatro, vou me maquiando, entrando no clima, tomo um cafezinho, falo uma bobagem. Antes de entrar em cena, rezo e falo: “o Espírito Santo habita em mim”. E entro em cena. E só o que eu faço.
Não sei se cinema é para mim. É uma arte muito elaborada e delicada e sou uma atriz mais espaçosa. No cinema o diretor diz “menos, “menos”. Vou fazer sempre que me chamarem, mas meu veículo é o teatro.
Não fiz “Polaróides Urbanas” pelo seguinte: escrevi “Como encher um Biquíni Selvagem” junto com o Miguel. Fiquei sete anos em cartaz com esta peça, na qual interpretava todos os 11 personagens. Se hoje, inclusive, posso fazer só o que quero, foi o “Biquíni” que me proporcionou isto. Quando surgiu o projeto do filme, fui na leitura do texto. Eu iria fazer as irmãs gêmeas, Magda e Magali. Mas percebi que havia uma amálgama unindo aquelas personagens. Vi que não seria bom para mim. E fiquei com ciúmes ao ver outros atores falando o meu texto. Disse: “Miguel, vou te privilegiar com a minha ausência”. Não me arrependi e adorei o filme.
Quero montar “Gota D’água”, com direção de Antonio De Bonis. Eu ia fazer, mas Isabella (Bicalho) já estava com os direitos.
Os teatros de São Paulo têm 1500 lugares; aqui, 480. Lá ganhamos mais dinheiro. Mas o público é igualmente encantador nas duas cidades.
Quase todas as peças que faço, produzo. É bobagem contratar um profissional para produzir porque sei que as montagens farão sucesso. Mas há pessoas que sempre me ajudam nesta empreitada.O ator tem que saber a hora de parar – mas só quando estiver dentro de um caixão.